TEMPO SECO

663

Angola: Paraíso Adiado
Sempre me fascinou Angola. A sua invulgar dimensão, os contrastes invulgares dos seus espaços geográficos, as gentes e as suas ancestrais tradições, a alegria contagiante da sua imensa juventude, a sua mística e a convivência desinteressada e sadia entre as pessoas.
Conheço-a bastante bem no seu todo. Conhecia no passado, na sua justa luta pela independência. Conheço-a no presente, na sua ânsia de conquistar o seu merecido lugar no conceito das nações.
Viajar em Angola é sempre uma aventura no desconhecido, sabemos a hora da partida, nunca se sabe a hora da chegada. As distâncias são enormes e os percalços também. As avarias na estradas, que resultam sobretudo do péssimo e perigoso, estado da mesmas, são já um contratempo rotineiro, para quem viaja em Angola. A maior parte das reparações são feitas na própria estrada, daí que se diga que as estradas de Angola são a maior oficina auto do mundo.
Não obstante a reabilitação de muitas estradas angolanas efectuadas nos últimos doze anos, o seu estado volta a ser caótico. A fraca qualidade das reabilitações, aliada: à pouca competência das fiscalizações, à falta de manutenção das mesmas, às cargas desmesuradas a que são submetidas e talvez a outras razões mais dúbias por parte dos intervenientes, tornou-as outra vez, e de repente, intransitáveis.
Viajar de Luanda para o Huambo ou vice-versa, é coisa que já fiz muitas dezenas de vezes: de carro 4x4, sozinho ou acompanhado. Viajar de autocarro fi-lo a primeira vez na última deslocação a Angola. Viajei do Huambo para Luanda e posso dizer que é uma viajem demorada, perigosa e invulgar. Com saída do Huambo ás cinco da manhã, os passageiros apresentam-se com as suas bagagens, pelo menos uma hora antes da partida. Durante a manhã o autocarro para com muita frequência, para os passageiros se abastecerem de haveres, que compram nas praças improvisadas ao longo da estrada, e são substancialmente mais baratos, que comprados na capital.
As populações residentes ao longo das estradas, subsistem debaixo de uma grande dependência das mesmas. Através delas vendem os produtos que cultivam ou colhem em terrenos bravios. Tudo é vendido à beira da estrada, desde: feijão, batata, mandioca, banana, abacate, manga, cogumelos, repolho, abacaxi, cana de açúcar, etc., até à carne de caça e raízes para a impotência sexual.
Depois de passar pela Quibala, meio do caminho entre Huambo e Luanda, o estado da estrada agravou-se ainda mais. O troço de 150 Km, entre aquela vila e o Alto do Dondo, é extremamente violento para quem conduz e para os passageiros. Esporadicamente vão surgindo brigadas de crianças, em idade escolar, que vão tapando com terra e pedras alguns buracos ao longo deste troço. Em troca, não pedem dinheiro. Mas sim, pão ou qualquer outro tipo de alimento. Os passageiros comentavam com disfarçada desilusão e resiliência esta desesperante situação. O desespero deles contagiou-me também, e dei por mim a entregar-lhes um saco com seis pães que trazia para a viajem. Angola não tem necessidade destas situações. Não deveria ser um país a duas velocidades: uns têm tudo e outros nada. Não foi da queda abrupta dos preços do petróleo, que resultou esta situação de carência generalizada, ela já existia antes, os baixos preços do petróleo apenas a vieram a agravar.
Comecei a pensar o que poderia eu fazer para amenizar essas privações, às vezes, por demais elementares. Aí notei a nossa extrema fragilidade individual. Nada podia fazer sozinho, além de alertar os demais, nestas linhas que aqui deixo expressas.
Ás dezanove e trinta cheguei ao meu destino. Catorze horas e meia depois da partida, numa viagem turbulenta e penosa, que jamais esquecerei.
Bom Natal para todos.Tornar-se assinante para continuar a ler...