Escangalhei-me a rir!
Escangalhei-me a rir! Dir-se-á que não há motivo para tamanho escangalho; que, se calhar, era mesmo de se desconjuntar era em choro pegado; ou então, nem uma atitude nem outra se deveria assumir, quando tantos outros motivos sérios há de mui doloroso tormento ou de bem estuante hilaridade.
Direi que dessoutros, à vista de todos e repetidamente propalados pela Comunicação Social, haverá sempre quem fale, se amofine ou, até, mandando às urtigas convencionais condicionalismos, ouse incitar à rebelião. Agora, pegar no Dicionário da nossa vetusta e digna Academia das Ciências de Lisboa – à qual, aliás, tenho a honra de pertencer – e topar lá motivo de escangalho não é para todos e nem para mim seria, se para tal me não houvessem chamado a atenção.
Aclare-se, antes de mais, que tal Dicionário se apresentou, em 2001, como «da Língua Portuguesa Contemporânea», ou seja, reflexo da vida falada ou… vivida! Daí que os seus ilustres mentores hajam optado por exemplificar a acepção de determinado vocábulo com frase extraída preferencialmente (digo eu!...) não dos clássicos mas das revistas da «society» (perdoe-se-me o anglicismo, que é, porém, o que melhor aqui se adapta). E assim, para mostrar no concreto a terceira significação do vocábulo juízo – «maturidade intelectual aliada a um comportamento responsável ≈ bom-senso ≈ sensatez ≈ siso ≈ tino» – nada melhor do rapar de frase, por sinal sem autor nem data, da revista «Máxima» nº 60, que reza assim:
«Nunca mais me hei-de esquecer de um encontro memorável com um rapazinho que já tinha idade para ter juízo».
Escangalhei-me, porque – mente perversa me confesso! – imaginei a cena e também eu fiquei sem juízo nenhum: a senhora (uma senhora, claro, para a história ter mais pique!…) topou com um menino no café, palavra puxa palavra, que fazes, que é que não fazes, eu tenho uns CDs giros lá em casa de que vais gostar… E pronto: o puto acabou por não ter juízo nenhum! Ou teve, sabe-se lá, na óptica dele!...
Com que então, bem avançadinhos no seu tempo os senhores do Dicionário, hein?! Claro que, assim, ficamos com a noção exacta do significado completo da palavra «juízo». Oh! Se se fica!...
Aliás, a mim quando alguém me recomenda juízo, eu respondo invariavelmente: «Vou ter! Mas olha: se te apetecer a ti não ter, chama-me que eu também quero!».