TEMPO SECO

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A Magia das Cinzas (I)
Ninguém pode alegar que as cinzas não nos seduzem. As desgraças vividas com os incêndios, nos últimos meses, e exaustivamente divulgadas com grande histerismo, por todos os canais de tv, são bem a confirmação dessa perversa sedução.
Dizer que os incêndios não são uma questão política, é pura mentira. Nunca antes do 25 de Abril de 1974, se viveu este drama com tanta intensidade e com a devastação ambiental e económica dos 40 anos procedentes. Assim, a política de liberdades de alto risco, que se vive desde essa data, é a causa e o efeito desta dramática situação, por demais insustentável, e o preço de uma democracia sem regras, que se institucionalizou neste pobre país, que não passa do “rabo da Europa”.
Recordo, que há cinquenta/sessenta anos atrás, o número e o efeito dos incêndios eram insignificantes, e a sua preponderância era quase restrita ao longo do traçado dos caminhos de ferro, onde a tração dos comboios ainda era feita por locomotivas a vapor. Tão-pouco eram os bombeiros, praticamente inexistentes, que apagavam esses fogos. Eram os habitantes das quintas e povoações mais próximas que se juntavam para combater, com ramos e terra escavada do chão, esses flagelos, logo após detectada a sua deflagração. Os rescaldos eram feitos com a vigilância, dessas gentes nos locais, chegando até, a usar pulverizadores com água para molhar as frentes de fogo. Nessa altura não havia “teatro de operações”. A linguagem era mais humilde, e o esforço físico despendido bem maior. Do nosso conhecimento: nunca um incêndio avançou até a uma quinta ou a um palheiro sequer. Hoje, o combate ao um incêndio, é na realidade um teatro de operações: onde o ator mau avança sem resistência e os atores bons aguardam que a providência o domine.
A realidade atual, no terreno, é muito diferente. A grande maioria dessas quintas foram abandonadas, e nelas crescem, hoje, majestosamente giestas, tojos, silvas e outras espécies arbustivas de alto teor combustível, mercê de uma política de agregação urbana selvagem e desprezo pelo interior profundo do nosso país. O interior português está hoje maioritariamente emigrado, e a floresta portuguesa deixou assim, e erradamente, de ser protegida, não obstante, e quer queiramos ou não, ela continuar a ser o nosso único “petróleo”.
Os gastos imensuráveis, dos últimos quarenta anos, no combate aos incêndios, deveriam ter sido aplicados, em tempo próprio, na prevenção dos mesmos. Todavia, o oportunismo da classe política deste pais é tão voraz, que até da miséria alheia se aproveita, para angariar mais uns quantos “tachos”, para saldar a dedicação aos moços mais astutos dos partidos políticos que nos têm (des)governado. Para trás, e sem qualquer escrúpulo, fica a idoneidade daqueles que sabem, mas que estão calados no seu recanto, e podendo-se afirmar, sem qualquer reserva: que o combate aos incêndios regrediu, após a formação da Proteção Civil e o seu deslumbrante organigrama hierárquico, que não passa disso mesmo, porque hoje, ninguém sabe quem comanda quem ou se alguém comanda alguém. Teve toda a razão o autarca de S. Pedro do Sul ao pôr em causa a eficácia, da Autoridade Nacional, quando o incêndio lavrou, à vontade, no seu concelho durante oito longos dias.
Paira um pressentimento tenebroso, de que alguém por trás de tudo isto, está obter dividendos com a situação. Os únicos lesados são os desgraçados de sempre: os que vêm os seus bens a arder, para não se falar já, das questões climatéricas e ambientais, que já nos afetam com grande rigor.
Setembro de 2016