O ESPAÇO E O TEMPO

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“CÓTA “ , Eu ?!...
Tempos remotos em que o barbeiro era doutor , na sua aldeia o lavrador morgado , o cura abade e a sobrinha senhoria e até “ dona “ se nomeava , o pedreiro músico e cantor porque ao som do cinzel trabalhava as pedras a cantar , o lavrador poeta porque versejava à terra lavrada , o agricultor que as vides poda e em santa paz o seu casal granjeia em versos de água a voz do vento recita , o jardineiro sonha e como em sonhos floresciam lírios de fogo , cravos e papoilas , rosas , jasmins e violetas como melodiosos cânticos de louvor embebidos em matinal frescor . Tempos de saudosas nostalgias em que o vermelho era só e apenas alegria , o verde a esperança do amanhã o azul a imensidade infinita da transparência cristalina do céu e da profundeza do mar , o claro-escuro a tristeza a solidão e a angústia . E como nevoeiros de lágrimas que o vento espalha no ar desponta o fluir entre gerações de diferentes desejos emoções e ideias que são para todos nós os pontos cardeais da alma . Como rosa de sombra em botão que à meia-noite é estrela e quando desabrocha é manhãzinha , um ponto marcante rompendo a emaranhada selva espessa do linguarejar numa difícil interpretação , mesmo num alegre pensamento quando o pensar é triste , paira no nosso espírito a difícil compreensão do verdadeiro sentido das frases numa linguagem predominante desta geração . São estes jovens tripulantes do sonho como embriaguez sagrada de tesouros de imaginação e dedicação , portadores de uma capacidade única de ignorar preconceitos e desfazer normas , veias fecundas da sua própria identidade . E os encontros são como lados saudosos de um alvorecer nascente , antemanhã maravilhosa , ou de um declinoso poente como Virgem Mãe falando com a noite :
- Como tens passado jovem ?!...
- Bué de fixe , meu …
- Tu cóta tás bué de velho , nota-se pela tua carcaça ! …
- Os dias e os anos amadurecem no calendário como branca fronte matinal que névoa modelou e a montanha cada vez mais se cobre de neve.
- Então como te corre a vida ? …
- Bué de maravilhas ! … montei barraca com uma garina … boa chevala . Ela é baril , mas tenho fufas que ela me dê de frosques …
A conversa anima , flui , empolga , é como as cerejas . É fácil estar com os amigos com calma e serenidade . Quando estamos com outras pessoas temos pressa , parece-nos que não utilizamos o tempo mas que o desperdiçamos . Quase não temos tempo de as conhecer por isso muitas vezes não sabemos o que dizer-lhes nem como dizer-lhes . Falta sintonia .
Na tranquilidade do banco do jardim em amena cavaqueira de saudosos tempos somos abordados por um amigo comum que interpela o meu interlocutor :
- Olha amigo , quero convidar-te para o bacanal que vou realizar daqui a uma beca de dias na minha choupana …
- Cool meu , tou lá . Levo alguma coisa ?!...
- Só o esqueleto.
- Ok, sem esforço …
- Só tenho uma coisa para resolver
- Qual é a cena ?!...Vomita …
- Quero que emplumes aquela borboleta que conhecemos na discoteca , na night …
- Topo , tou a morder ….
- A chevala é difícil , ela tem méni de prosas … não deve querer ir …
- Porquê?!...
- Não sei , é apenas feeling.
- Olha , escreve-lhe umas cenas românticas , as garinas curtem essas tretas , passam-se dos carretos … Podes crer
- Atinas ?!...
- Não probléme . Mas eu não tenho jeito nenhum para escrever , ainda por cima dou erros .
- Toda a gente dá erros !!!! …
- Olha , escreve em inglês sempre é mais fácil . Anda , vamos beber uma bejeca .
E em breves passos , como passos de uma sombra sem qualquer ressentimento pelo registo da linguagem dominante por obra e graça de um estimulante empolgamento e um forte despertar de emoções atrevo-me a desejar a todos os “ cótas “ e “ chevalos “ da minha senzala o gozo pleno de uns dias bué de fixes sempre na maior com todo o astral para cima e uma plenitude de cortições . Vamos nessa . 
Nota : Este texto foi escrito antes da situação actual que vivemos