AS TROVAS DE BANDARRA

Quem visita Trancoso depara com a estátua de Gomes Anes Bandarra, que teria nascido nessa localidade por volta de 1500. Tendo perdido a sua fortuna, tornou-se sapateiro para prover à subsistência
Havendo-lhe sido emprestada, por João Gomes de Gião, a Bíblia em livro manuscrito passou muito do seu tempo na leitura da mesma, durante os oito anos que demorou a devolvê-la. O conhecimento dos livros escatológicos da Bíblia levaram-no a escrever trovas, em linguagem pouco clara, que parecem profetizar o futuro de Portugal. O significado enigmático das trovas torna-as adaptáveis a qualquer grave acontecimento de caráter religioso ou político-social e, deste modo, alcançam uma grande retumbância. O Bandarra passou a estar na mira do Tribunal da Inquisição. Perseguido pelo Santo Ofício, foi exposto em cadafalso durante o auto de fé de 1541, mas conseguiu escapar à fogueira por se ter retractado. Posteriormente teve de se remeter ao silêncio, ficando impedido de ler ou escrever sobre o Antigo Testamento. Porém, apesar de incluídos no Catálogo dos Livros Proibidos, as suas trovas sobreviveram à censura.
Apesar de todas as proibições e da censura, as trovas continuaram em circulação. No século XVIII foram acrescentadas, alegando-se que haviam sido descobertas novas trovas do Bandarra em Trancoso. Em 1809 saiu uma nova reimpressão, em virtude das invasões francesas, à qual se seguiram ainda outras.
No entanto, muitas das trovas atribuídas a Bandarra são apócrifas e foram escritas em época ulterior.
As trovas influenciaram não só espíritos incultos, mas também os de homens esclarecidos como D. João de Castro, 1º marquês de Nisa, Padre António Vieira e Fernando Pessoa, entre muitos outros, “que, por alucinação ou cálculo, vendo nelas meio de propaganda patriótica ou política, lhes atribuíram alcance transcendente”. Isso explica o facto de, apesar de proibidas várias vezes pelo Santo Ofício ou pela Mesa Censória, terem visto a “luz da publicidade em 1603, comentadas por D. João de Castro, terem sido editadas em Nantes pelo marquês de Nisa, em 1644” … “para reaparecerem no Porto em 1852”.1
Em 1640, quando Portugal se libertou do jugo espanhol, que durara 60 anos, as trovas de Bandarra interpretadas como uma profecia à independência nacional, tornaram-se célebres aos olhos dos patriotas portugueses.
Em 1642, Dom Álvaro Abranches, general da Província da Beira, mandou fazer um epitáfio para Bandarra, na Igreja de São Pedro da Vila de Trancoso, com os seguintes dizeres: “Aqui jaz Gonçalianes Bandarra natural desta vila que profetizou a restauração deste reino, e que havia de ser no ano de seiscentos e quarenta por el Rei D. João o quarto, nosso senhor, que hoje reina, faleceu na era de mil e quinhentos e quarenta e cinco”.
Enfim, o nome de Bandarra continua sendo, através dos tempos, muito recordado. Aliás, não faltam motivos para a cidade de Trancoso ser falada. Estou a lembrar-me também do “famoso” Padre Costa, por haver gerado 299 filhos. Tendo-lhe sido perdoada a pena a que havia sido condenado, teria terminado os seus dias no concelho de Mangualde, por ter sido desterrado para o Convento de Santa Maria de Maceira Dão.
1V. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura