SANFONINAS

O tabaco
Recordo, amiúde, pela estranheza que me causou, a entrevista que, nos anos 90, tive ocasião de fazer a um ancião. É que, já não sei a que propósito, ele saiu-se-me com esta:
– Pois olhe para mim. Se ainda aqui estou, com esta idade, é porque fumei!
Franzi o sobrolho. Ecoaram na minha cabeça todas as vozes incessantes de vitupério contra o tabaco.
– Como assim? – perguntei.
– Eu explico. Na minha família quase toda a gente morreu com a pneumónica. Eu escapei. Disse-me o médico: «Porque o meu amigo fumava!». O fumo do tabaco matara o vírus! E aqui estou, são e salvo.
Percebi. Na verdade, em si, fumar não é um mal. Vício é deixar-se levar pela ânsia de fumar. No fundo, o que interessaria era combater o que leva a acender uns cigarros nos outros. A ansiedade atroz em que se nos vão os dias, sem que se pare, algures no meio da caminhada, para reflectir e tomar outra direcção.
Ocorreu-me esta conversa antiga, ao ler um dos trabalhos premiados nos XIII Jogos Florais da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana, onde o tema proposto era «Sustentabilidade». Já estremecêramos, os membros do júri, ao ler o Pensamento I de um concorrente de 14 anos: «Barulho / Um barulho forte / Ressoa no pátio da escola / O vento arrasta uma lata vazia». O Pensamento II ainda mais nos seduziu: «A formiga / Acabou a diversão / Formigas trituram / Restos de cigarros».
Assim. Suave, mas forte, o murro no estômago! E, pelos carreiros, as formigas já não levam bagos de cevada ou trigo, pedacitos de pão, cascas de cereais… Tabaco!…
O mundo do que é mais pequeno a dar-nos lições!
E contava-me o Tomé, há dias, em Beja, quando mostrei a minha admiração pelas vastidões sem fim de oliveiras alinhadas, na empobrecedora agricultura intensiva:
– Sabes? A gente vinha, à noite, de Castro Verde para Beja e chegávamos a casa com o para-brisas e os faróis cheios de cadáveres de insectos. Agora, nem um! Morreu tudo com os químicos. E vão morrer os pássaros que os não têm para alimento.
Tritura a formiga o tabaco, há uma lata vazia empurrada pelo vento e já não há insectos noite afora…