Direito à indignação

Os números da abstenção não me preocupam absolutamente nada. No entanto, a participação cívica das pessoas e o modo como estão em comunidade já é preocupante.
Posso ficar indiferente com a possibilidade de alguém se demitir de contribuir para determinar o futuro do seu país ou do seu concelho, até triste, mas nada preocupado. Eu posso é estar descontente com quem não vai e está sempre a reclamar e a queixar-se dos governantes. Não quer saber, não se informa, não vota.
Existe uma diferença gritante entre a opinião pública e a opinião publicada.
Os escândalos sucessivos que assolaram as governações socialistas (poder central e Lisboa) foram sendo menosprezadas e minimizados por boa parte da comunicação social.
Como disse Tiago Mendonça no jornal “O Novo”, O caso de Eduardo Cabrita “assume proporções dantescas. Em qualquer outro país, já não existia ministro há muito tempo. Aqui já ninguém fala do assunto. O caso do procurador José Guerra, da não recondução de Joana Marques Vidal, do SIRESP, da obscuridade do plano de recuperação e resiliência, enfim, das teias de interesses no aparelho do estado, dos boys e girls que tomaram o poder, o envio de informações para a Rússia, é tudo obsceno”. O último caso foi a completa falta de sentido de estado que teve como protagonista o Ministro da Defesa.
Como se isto não fosse suficientemente grave, ainda tivemos o caso Rendeiro que tratou de fugir do país, aproveitando-se da extrema tolerância da nossa magistratura, incapaz até de lhe apreender o passaporte, e da inacreditável lentidão da burocracia responsável pela execução de penas.
A ministra da (in)Justiça reagiu admitindo haver “desconforto social”. Rendeiro beneficiava da medida de coacção mais ligeira - a do termo de identidade e residência, mesmo nunca tendo pago as coimas a que fora condenado em processos anteriores.
Algures onde se refugiou, diz agir “em legítima defesa” e recusa figurar como “bode expiatório do sistema financeiro nacional”. Por outras palavras: não está disposto a pagar pelos graves ilícitos que cometeu dando uma valente bofetada na justiça portuguesa. Foi mais um caso entre muitos!
Bem pode o Presidente da República exigir um país “mais rico, mais inclusivo e mais justo” que enquanto tivermos esta passividade com os nossos governantes nada mudará.
Embalados por uma imprensa domesticada, perdemos a capacidade de nos indignarmos e de pedir contas a quem nos governa. Já os partidos políticos deviam preocupar-se mais em formar bons quadros e menos em ser centros de emprego para os seus boys.