LENDAS, HISTORIETAS E VIVÊNCIAS

Não é fácil fazer a sequência duma narrativa que se desdobra por acontecimentos tão diversos e estranhos ao longo dos dias… Por sorte, dos muitos dias duma vida. Os dias da infância e adolescência daquele tempo longínquo de 1945 eram tão cheios! Desde o levantar até à hora de cama, são tantas as memórias que se entrelaçam num emaranhado de emoções! Era o tempo da guerra, lá longe. Aqui a percepção da tragédia não era bem nítida. Não se viam imagens como agora, quanto muito uma fotografia num jornal… Não tivesse o Pai, aqui na Estação, o único rádio alimentado pela bateria dum carro, nada se saberia… Ali, sim, até se ouviam os rebentamentos das bombas, quando Fernando Peça, esse excelente jornalista da BBC fazia reportagens em directo duma Londres já massacrada. Contudo a miudagem ingénua apercebia-se pelos comentários dos adultos, que algo medonho se passava. Mas aqui juntinho a nós só tínhamos a visão dum espaço largo, larguíssimo, sem os empecilhos dos arranha céus, nem dos transportes motorizados, era um espaço tamanho que permitia quaisquer deambulações sem entraves. E foi este que nos fez crescer… Lá longe viria o carro de bois mais ou menos carregado que nunca obrigaria os transeuntes a fazer manobras arriscadas para evitar um qualquer impacto. Depois, havia o tempo das Estações do ano que em muito condicionavam os comportamentos tanto dos adultos, como da criançada. Viver um inverno em 1950 não era em nada próximo dos actuais. Mudaram as características atmosféricas e mudou a sociedade. Viver a plenitude da Primavera e do Verão era uma bênção. O Outono só lembra pelos ouriços a rir consolados nos castanheiros à espera que as castanhas caíssem e a seguir se fizessem os desejados magustos. Por isso este largo espaço de maninho entre o Bairro da Estação e a escola de Cubos era o mundo das aventuras com variadas pesquisas no solo – joelhos no chão, cotovelos a equilibrar e o nariz em cima dum buraquinho donde há pouco saía o som que tanto despertava a atenção e punha alerta qualquer dos miúdos. Uma palhinha presa entre o polegar e indicador era enfiada cuidadosamente no buraco e em alguns minutos lá vinha a sair o indignado grilito. Àquele tempo não se conheciam leis de protecção animal, nem as crianças tinham consciência disso, mas qualquer um tinha admiração e amava os bichinhos e animais maiores. Gostavam deles. Os grilitos eram em muitos casos a sua companhia nas horas de estudo, numa minúscula gaiolita onde os machos faziam musica electro raspando as suas asitas. Nós gostávamos muito de os ouvir… fome não passavam tinham sempre alface fresquinha e serradela dos campos. Mas, francamente, agora cá bem longe penso na amargura dos pobres bichinhos…. éramos inconscientes e pouco informados.. Aí, vinha a Mãe passar a lição de moral e lá íamos com a gaiolinha pôr o grilito junto ao seu buraco. No quintal havia imensos nesse tempo que faziam grigrigri sem parar… mas, para que raio queríamos um animalzinho ali fechado?! Talvez fosse cantando para esquecer aquela sua triste vida…. esta inconsciência acabou depressa porque a Mãe estava atenta!…Vá, vai já pôr o grilo no buraquinho…. JÁ !