SANFONINAS

Cantar de galo
– Ó Maria, despacha-te! Que andas tu praí a besoirar?…
E o Joaquim voltou-se para a vizinha:
– É sempre assim: quando temos pressa, põe-se a encanar a perna a uma arrã e depois ainda é capaz de cantar de galo, porque eu me esquecera disto ou daquilo.
Conversas de antigamente que nem o Partido dos Animais e da Natureza sabe fazer ressuscitar. Do tempo em que mui saudavelmente se convivia com a Natureza e se tinha criação!… Até essa frase «ter criação» não é entendida agora à primeira. Que é lá isso de ter uma capoeira ao pé ou uma coelheira? Chegava-nos a casa uns primos sem aviso prévio? Sem problema: vai-se à coelheira, mata-se um coelhinho e está o almoço feito!
Cantar de galo. Ele acabara de galar pomposamente duas das galinhas mais airosas da capoeira. Sentiu-se feliz, abriu as asas e… cantou, qual rei! Vangloriou-se.
Besoirar. É um bichão de cores vivas, anuncia-se com um zumbido forte, bate as asas em frenesim. Mal poisa numa flor, ei-lo que salta para outra. E depois para outra. Será que conseguiu algum pólen de jeito ou foi só para se armar e marcar território?
Encanar a perna a uma arrã. Tarefa que não vale a pena. O melhor mesmo é, se for gordinha, perder o amor à Natureza e prepará-la para o petisco. Coxinhas de rã? – Apreciam-se! ¿Quem poderia ter a veleidade e, sobretudo, a paciência de, um dia, tentar concertar com palas ou caninhas finas a perna duma arrã? Operação longa, longa de mais – e de nulo efeito, decerto.
O besoirar, esse, é mais do nosso quotidiano, mormente o dos anciãos: pegas agora numa coisa, lembras-te doutra e não acabas a primeira; de seguida, olhas para uma terceira e dás-lhe seguimento… No fim da jornada, ainda a primeira se não acabou… Um dia de… besoiro!