SANFONINAS

Os nossos bordões

– Não sei se sabes, mas no começo do século XX…
A frase chocou-me.
Inesperadamente.
Não me apercebera ainda de que, na boca de um entrevistado para um entrevistador, ela poderia significar de algum menosprezo. Inconsciente, claro!
Se o entrevistador fora pessoa sensível, teria razão para se melindrar e dar, até, uma resposta menos cordata. Não deu. E a conversa prosseguiu naturalmente.
Eu é que, enquanto saboreava a torrada com manteiga, dei comigo a pensar na quantidade de frases proferidas no quotidiano, susceptíveis de poderem ofender ou desagradar ao nosso interlocutor.
Não, já não falo do hã?! tão frequente em alguns dos nossos locutores a quem não houve o cuidado de ensinar os mecanismos da boa respiração radiofónica. Chateia-me ouvir; desculpo, embora não compreenda.
Também não refiro «O quê?» com que amiúde somos bombardeados. Está um grupo na conversa; chega alguém, e quer logo entrar: «O quê?». Como quem pergunta: «O que é que vocês estão para aí a dizer?». Apetece-me sempre responder: «Espera aí, homem, já compreendes!».
Volto à frase inicial, para referia duas outras passiveis de ofender.
Bordões lhes chamamos nós em linguagem. «Palavra ou frase que se repete inconscientemente na conversa ou na escrita», explica-me um dos meus dicionários e aponta, até, como etimologia, a palavra latina ‘burdo’, que significa ‘mula’, quiçá (informa-me outro) por ser outrora o muar o bordão habitual do peregrino… «Não sei se estás a ver», «Estás a perceber?…» – aí estão eles!
E, como se vê, a ignomínia da incapacidade de compreensão é atirada para o interlocutor, quando o mais cordato seria, por exemplo: «Estou a explicar-me bem?».
E agora pergunto eu: será que me expliquei?