A SENHORA DO CASTELO ABRE AS PORTAS AO INVERNO


O ÚLTIMO DIA DAS MERENDAS
Numa tenaz tentativa de reavivar e fazer perdurar as tradições, vimos neste dia 8 de Setembro dia da Senhora do Castelo algumas famílias e grupos merendeiros abrigados nas suas barraquinhas resguardadas de uns chuviscos teimosos que intermitentemente persistiam em cair. Os tempos são diferentes, novos tempos …
Mas a tradição e a história remetem-nos para um passado bonito de saber:
Outrora o caminho da Raposeira, as veredas e caminhos da serra eram trilhados neste dia por magotes de jovens acompanhados pelos familiares que subiam lentamente até á ermida caiada de branco . Lá no alto já se ouvia o estralejar dos foguetes . Aos lados os campos estendiam-se a perder de vista em ondulações quase insensíveis , amarelando no tom claro dos restolhos brutamente feridos pelos sóis de Julho e Agosto que inundava tudo . As moças da aldeia muito peralvilhadas nos seus trajes de ir á festa subiam a ladeira na torreira daquele sol que logo de manhã se fazia sentir áquela hora do dia .Caminhavam num passo firme levando á cabeça os cestos de vime do farnel . E atrás das moças, rudes e levados pelo beiço iam os rapagões afogueados, as mangas das camisas brancas arregaçadas até ao cotovelo, quentes por dentro com alguns quartilhos de vinho que iam bebericando dos barris de madeira que transportavam ao ombro pendentes do pau do cajado. Chegados ao monte descansavam por instantes a ver a vila em baixo .Estendiam a alva toalha de linho no chão onde resplandeciam as iguarias mais apetitosas: as batatas albardadas , as azeitonas numa negritude brilhante , cobiçadas ao primeiro olhar , cortidas em casa e desejadas só de as ver ( os pecados negros ) , tradicionalmente chamadas , o bacalhau frito , amarelinho como o azeite dourado pelo qual fora passado e envolvido em ovo das galinhas da sua criação , o coelho cozido na panela de barro , o frango assado num lume pobre de brasas vermelhas luzidias ou guisado em tacho de barro preto em cima das trempes, os peixinhos da horta (feijão verde do seu cultivo envolvidos em farinha e passados por ovo). O pão , a broa de milho branco como véu de noiva . No final um saboroso melão ou uma suculenta melancia comprados ali mesmo no adro da ermida . Em grupos dispersos pelo monte comiam e bebiam num festim que transbordava de alegria e fazia esquecer as agruras do trabalho do dia seguinte . Rompia inesperadamente de entre os grupos merendeiros o som harmonioso de uma gaita de beiços , iniciando-se de imediato a dança e os cantos ao desafio . Era dia de festa , o verdadeiro arraial beirão. Mas o tempo urge o sol rapidamente declina e a chuva faz a sua aparição . “ A Senhora do Castelo abre as portas ao Inverno, começam a pingar os amieiros “ . As casas dos arrabaldes que á luz do sol eram brancas começam agora a aparecer cinzentas á luz do poente . É já tempo de regressar a casa . Já umas nuvens escuras começam a invadir o céu , e ao longe no horizonte raios luminosos rasgam o escuro céu anunciando uma trovoada que está próxima .Quando chegam a casa já a chuva cai tensa e já na aldeia a luz é tão escassa que as galinhas já não vêem e estão á espera que as recolham á porta dos capoeiros , imóveis e agrupadas , o chegar das noites de Inverno apressadas pelo véu cinzento da água que encurta o horizonte e das portas entreabertas , onde as candeias já se acendem e começam a pôr linhas de reflexos vermelhos nas pedras polidas da calçada .
Estão abertas as portas ao Inverno .