AS FEIRAS QUANDO O POVO FEIRAVA


Como alegria misteriosa, estranha, feirar era um hábito adquirido, intrínseco na natureza das pessoas do campo, entranhado no seu intimo, um momento d’alma. 
Embebidos em ilusões de fumo, palmilhavam o asfalto irregular e duro ora aquecido por um sol madrugador de um estio quente, ora encaramelado pelos cristais de gelo acumulados na berma da estrada pelo frio dos meses de Inverno. E numa 
embriaguez sagrada em grupos ou sós, amiúde com o calçado pendurado na ponta de uma vara. Em arrepios vagos, alegres grupos de homens e mulheres em passo compassado e lento encaminhavam o gado. Os bois dóceis de meigo olhar em passo vagaroso conduzidos pelo lavrador de aguilhada ao ombro, olhando a linha do horizonte que cada vez mais se alargava. Os porcos irrequietos seguiam o cheiro de umas folhitas de couve e aqui e além o arremesso de uns grãozitos de milho.  
Rec … reco… reco… e o animal fossando e aos roncos segue as pegadas do dono.  
Sob a luz matinal cinzenta e fria, apressando o passo olham a feira das couves.  

  • Então hoje não me compra nada?!… 
  • Olhe estes repolhos “bacalão“ ou estes “coração de boi“!… Coisa boa… 
  • Veja freguês estas molhadas de couve de “desfolhar“, aquelas “pão de açúcar“ tão viçosas!…. São “castigadas“ e não têm refugo. 
    E já num triste crepúsculo sombrio, conversando em voz alta, os negociantes de gado, entre grunhidos dos porcos, balidos das ovelhas e cabritos, os mugidos dos bois e vacas, o zurrar dos burros e o cacarejar das galinhas, fazem os seus “cambalachos“. Abrevia-se o negócio, é necessário comprar bens de primeira necessidade. Vende-se o “porquito“, as galinhas ou os coelhos.  
    No meio de clarões e silêncios, o tempo de chuva convida á compra de umas botas resistentes em couro ensebado. É a feira do calçado.  
  • Venha cá freguê… o meu calçado é bom e barato… Faço-lhe o preço de fábrica, não ganho nada ,é só mesmo para o servir bem e ficar meu freguês .  
    Mais para nascente, onde o sol irrompe logo pela manhã com coloridos de luz , a feira da roupa.  
  • Compre freguês ….compre. Peças da última moda. Saias, blusas camisas e casacos confecionados com os melhores tecidos das fábricas da Covilhã  
    Os odores da feira da carne e das barracas de “comes e bebes “misturam-se com os pregões dos vendedores ambulantes nas suas carrinhas estratégicamente situadas. Despertam a curiosidade a diversidade de produtos artesanais e agrícolas. Anichadas num canto solarengo as barraquinhas de ferragens manuais, queijos e presuntos.  
    A feira é uma mistura alucinante de objectos, sons, paladares e odore.  
    Uma multidão atenta e interessada, alheia a tudo que a rodeia em fisionomias trágicas de pedra, ouve emocionada com uma lágrima no canto do olho o canto dramático ocorrido recentemente de um cego e sua acompanhante ao som de um velho acordeão desafinado: 
    Agora vou contar / Uma história de vida /Trazia fama espalhada/ De enganar uma rapariga. 
    Enganara uma rapariga / pela boca de um ladrão /tinha ele 18 anos / quando foi para a prisão  
    Antes de ir para a prisão / ao tribunal foi chamado: / Ou casas com a rapariga / ou 20 anos és degredado 
    Vinte anos degredado!.. / são o fim da minha vida / no dia que eu abalar / mato o pai ou a rapariga  
    Ela assim que isto ouviu / logo sua fala mudou: / - escute sr: Juiz / não foi ele que me enganou.  
    Já que és traidora / e não confessa a verdade / vai-te embora ó rapaz / vai gozar a mocidade.  
    Eu cá vou prá minha terra / e já me vou divertir / eu sou como as andorinhas / que vão ao céu e tornam a vir.  
    Recordar estas feiras é como o pegar numa fotografia antiga sentindo-nos escapar à agitação do nosso mundo moderno perante as doces recordações que evoca na nostalgia de outros tempos menos urgentes menos imperiosos. A vida decorria ao ritmo de um tempo sem tempo.