Valorizar os não doutores

“…para ter êxito na vida, é preciso ir para a universidade. Ora, isto é muito pouco saudável, pois menoriza e amesquinha as outras profissões. Portugal sempre teve uma reverência especial pelos ‘senhores doutores’.”
Saraiva, J. A.(2019, Janeiro 21). Um país de doutores, disponível em https://sol.sapo.pt/artigo/643170/um-pais-de-doutores

Ora aí está um senhor doutor sem papas na língua, até porque pertence à excelsa- é bonito utilizar este tipo de adjetivos, só porque… é bonito, e nada tem de mania! - comunidade que tanto é louvada. Qualquer pessoa, com brio, gosta de pertencer a este grupo, porque beneficia sem qualquer demonstração de trabalho. Basta alegremente, dizer que é doutor, que o tom e o olhar dos interlocutores, mudam de forma reverenciadora. Foi com base neste comportamento que apanhei um senhor, que por acaso não era doutor, mas tinha um elevado sentido de humor!
Senhor residente num lar de 3ª idade, agora designadas de ERPI (Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas) – mais uma vez uma coisa simples com definição bonita…- com aspeto emagrecido, acompanhado por uma ajudante ou auxiliar de lar - técnica, não doutora! Quando questionado acerca da profissão que detinha no passado, a expressão foi espetacular:
“- Arquiteto de moradias subterrâneas, também conhecido por coveiro!”
O ar de espanto quer da minha pessoa, quer da auxiliar, deve ter sido tão cómico, que o homem, mesmo com a farfalheira, típica de fumador de décadas de anos, lançou uma gargalhada genuína e saudável, finalizada por uma tosse doentia. Depois da aflição contornada, esclareceu que no movimento pós-revolucionário do 25 de Abril, toda gente para ser importante tinha de ser doutor, engenheiro ou arquiteto, mesmo que não soubessem nada do ofício! O que imperava era parecer ser, mesmo não sabendo fazer!
Também explicou, que a população que fez mover a revolução (agricultores, carpinteiros, eletricistas, soldadores, maioria dos ofícios considerados de baixas competências), queriam que os seus filhos e descendentes fossem os doutores que nunca foram criando um menosprezo da sua sabedoria, pouco valorizada pela sociedade. A ironia de desejarem o respeito à custa da palavra liberdade, facultou esta atual falta de pessoas para realizarem tarefas, tais como consertar uma máquina, fazer uma mesa ou apanhar azeitonas.
Bolas, não é que o homem conseguiu ser professor de história e ainda ser sociólogo! Conseguiu com uma laracha, contar parte da história política e social após a queda do Estado Novo, e ainda justificar a falta de mão de obra que estamos a passar.
Foi um dos melhores professores de História Contemporânea de Portugal, que tive o prazer de conhecer…O arquiteto de moradias subterrâneas!