SANFONINAS

Luz vermelha
Cândido Ferreira já não pertence ao nosso mundo; deixou-nos em Fevereiro deste ano. Aliás, as suas intervenções nos últimos anos de vida poderiam já ser consideradas «do outro mundo», como foi o caso do livro “Covid-19 A Tempestade Perfeita”, sobre que o médico Rui Crisóstomo – em cerimónia de homenagem realizada em Cantanhede, sua terra natal, a cujo município mui significativamente Cândido Ferreira entregou parte do espólio histórico que foi reunindo ao longo dos anos – afirmou que as soluções aí apontadas, «por estarem sempre muito à frente no tempo, só muito mais tarde foram reconhecidas na sua justeza e validade», acrescentando: «Infelizmente, quando o foram, para muitos, era tarde demais».
Retomo a evocação da sua memória, porque dele guardei esta frase que me enviou numa das muitas mensagens que tivemos oportunidade de trocar:
«No entanto, três meses depois da apresentação da candidatura, bloqueado pela principal imprensa, que sobre mim só passava contrainformação, ganhei a certeza de que o melhor seria desistir. Pois se até entrevistas televisivas solicitadas foram alvo de apagão, enquanto jornalistas amigos me avisavam que sempre se acendia uma qualquer “luz vermelha”, quando o meu nome aparecia nas Redações».
Referia-se à candidatura à presidência da República.
Ocorreu-me agora a sua alusão à ‘luz vermelha’. Não, por encontrar, amiúde, quem, na estrada, passe a toda a brida e o semáforo já virara encarnado, mas porque a frequência dessas tais luzinhas vermelhas está a aumentar substancialmente.
Cândido Ferreira partiu, consciente de que, custe-lhe o que custasse, não obedecia ao eufemismo do «politicamente correcto» e, por isso, a luzinha acendia; nós, os que por cá ainda andamos e tivemos a experiência de aprender a escrever para a Censura, acabamos por, agora, recomeçarmos essa aprendizagem.
O perigo espreita, porém: o de nos acomodarmos, baixarmos os braços, quem vier atrás que feche a porta, para que hei-de eu ralar-me, eles são pagos para isso, albarde-se o burro à vontade do dono!…
O dono é que nem sempre domina à perfeição as técnicas do albardar e, quando menos se espera, lá vai a cangalha ao chão com tudo o que tem em cima e nada há que se aproveite depois. Chora-se sobre o leite derramado, mas só o canito que passe o tentará lamber…