
NÓS: OS CUNHAS
Tem sido uma paródia televisiva, a divulgação da cunha que alguém usou, para que as duas gémeas luso-brasileiras tivessem acesso a um tratamento milionário, ministrado no Hospital Santa Maria em Lisboa e, à revelia da lista de espera existente. A própria aquisição da nacionalidade portuguesa, das crianças, obtida em 14 dias, também não está isenta do engenho que a cunha confere a todas as situações, onde é aplicada. Contudo, esta prática só causará estranheza aos mídia portugueses, porque precisam de notícias, para satisfazer as audiências, ou a algum cidadão, muito ingénuo, que desconheça o modus vivendi da sociedade portuguesa, que sempre se regeu pelo uso e abuso, da famigerada cunha. Para o comum cidadão português isto não é uma anomalia, mas um simples meio de alcançar aquilo, que de outra forma vê voar para mãos alheias e menos relutantes.
A cunha, usada neste país, desde os tempos mais remotos, nem com a conquista da liberdade foi banida, pelo contrário: institucionalizou-se com uma voracidade, que hoje, tudo o que não é comprado com dinheiro, só se consegue com o famoso “pistolão” (como é denominada, a cunha, no Brasil), e chegando ao ponto de avaliarmos a competência individual, dos presumíveis “cunhadores”, de acordo com a capacidade de “mexer os cordelinhos” nos bastidores dos mais diversos locais de decisão. Há até políticos, e não são poucos, que se aproveitam dessa perícia, como engodo, para prometerem as suas cunhas e, influenciar a seu favor, a tendência dos eleitores mais desprecavidos ou necessitados.
Serão muito poucos, ou nenhuns, os portugueses, que ao longo das suas vidas, não tenham beneficiado deste invulgar, mas eficaz meio, de obter vantagens sobre os demais.
Quem desconhece, que o acesso a lugares públicos, é sempre atribuído àquele que usou a seu favor a cunha do “cunhador” mais convincente?! Todos sabemos que os testes psicotécnicos, de avaliação académica e profissional, no nosso país, não servem para avaliar nada, mas tão somente, para matar as expectativas, dos concorrentes indefesos ou com cunhas irrelevantes! Em todas as instituições deste país, de índole não privado, são poucos os que lá acedem, por mérito dos seus conhecimentos ou capacidades profissionais. A cunha é mais eficiente que qualquer diploma, do mais conceituado estabelecimento de ensino que exista! Assim, será por mero acaso, que não teremos, sempre, a mediocridade ao serviço do nosso país. Apesar disso, não se vislumbra qualquer tentativa para reverter a situação, e que tiraria o ganha pão sem esforço, de todos os incompetentes no ativo.
Esta manhosa estratégia, que estimula a vida de uns e condiciona a vida de outros, pelo seu invulgar peso, num contexto negativo da vida nacional, deveria ser combatida, logo nos primeiros anos de vida, com a introdução no ensino, dos conceitos básicos da ética. A consolidação da cidadania e da equidade social, só acontecem a partir do momento em que os valores éticos forem colocados em prática.