SANFONINAS

dr. jose
A poesia serve-se à mesa!
Chamava-se Parktime o bar de um dos parques da Marinha Grande e foi Daniel Matias o designer que concebeu toda a sua arquitectura e decoração. Quando lá estive, a 9 de Maio de 2006, com a minha querida Amiga Alice Inês, que ora me forneceu estes dados (bem hajas!), havia «poemas sobre o tempo no tampo das mesas e muitos relógios na parede, que marcavam o tempo do mundo». Sim, «poemas», qual forma bonita de dizer o que nos vai na alma, em palavras poucas, densas de conteúdo. Gostei.
Anos atrás, quando a Câmara Municipal de Cascais tinha vereador da Cultura, celebrou com a Panisol um protocolo: o pão era metido em sacos de papel, que tinham por fora o poema de um dos nossos poetas. «Letras doces» / «A Paixão pela Leitura…» – assim se designou a iniciativa.
Hoje, voltou a Poesia «despida», que se come depressa, terceto que, pelo seu ar inusitado, nos obriga, porém, a pensar. Exemplifico com um do mais recente livro de Carlos Carranca («o fogo o tempo e as cinzas», p. 63):
– Chá?
– Prefere café?
– Talvez um murro sobre a mesa!
E a gente suspeita a violenta opção pelo murro, em vez da doçura dum chá ou dum café…
O certo é que, mui sorrateiramente, a poesia serve-se à mesa. Já se disse das frases bonitas, cheias de poéticas imagens com que nos apresentam os vinhos:
«Aroma rico e cheio a frutos em passa, compota e caramelo, com ligeira adstringência, equilibrado, de taninos suaves e aveludados, com corpo, onde se nota o carácter frutado e ligeira evolução, que se prolonga no final da prova».
Aroma rico, taninos aveludados… Poesia, claro, à maneira de Cesário Verde, que guindou a poéticas as coisas do quotidiano.
E, agora, nessas ementas ditas gourmet (galicismo evitável, mas já internacional, acho que ‘guloso’ dava mais requinte), veja-se o que me enviaram, não sei se inventado, se real; que tem poesia, isso tem:
«‘Crevette grisée’, envolvida em molho bechamel, com pequenos apontamentos de salsa frisada australiana, na sua cama de massa fina, banhada em pão ralado crocante e confitada em óleo vegetal».
Quem me enviou, acrescenta que, na lista, é de 15 € o preço desse… rissol de camarão, saboreável (por um euro!...) na tasca da esquina.
Mas digam-me lá: tinha algum jeito escrever prosaicamente «rissol de camarão»?...